A peça inicia com a personagem de Petra deitada em sua cama. O cenário que se apresenta é o seguinte: há uma cama de ferro bem no centro do palco e diversos espelhos atrás. Esses espelhos me chamaram muito a atenção. Acredito que foram pensados de forma muito inteligente, penso que nos faz sentir refletidos ali naquela história e isso causa uma angústia tremenda. Pelo menos, assim que me senti em vários momentos.
A história é sobre relação de poder entre mulheres. Bete Coelho é uma atriz absurdamente intensa, o que deixa tudo ainda mais palpável e desesperador.
Petra possui uma empregada, que acaba sendo uma testemunha ocular de sua vida. Seu nome é Marlene e sobre ela nada sabemos, apenas de sua devoção doentia a Petra, a ponto de calça-la por exemplo, além de fazer tudo que ela manda. Ela é silenciosa. Literalmente não fala nada, tudo que revela (mesmo que pouco) é através do seu olhar ou gestos. Usa um vestido preto longo, com mangas compridas, que cobre todo seu corpo, inclusive pescoço. Inicia a peça com ela surgindo da plateia e subindo ao palco, como se fosse um convite para nós (espectadores) também sermos testemunhas de Petra. De sua dor, seu amor. De suas lágrimas amargas.
O preto é uma cor presente no figurino de todas as personagens. A mãe, a filha, a amiga, Karen (a jovem mulher que ela se apaixona) e a cantora que entre uma cena e outra entra no palco, como para aliviar um pouco a tensão e acalentar nossos corações. Canta maravilhosamente em alemão e é encantadora, bem diferente das outras personagens, extremamente complexas e cheias de camadas. Acredito que não por acaso, ela é sempre aplaudida a cada fim de um ato seu. Pois estamos todos igualmente cansados e fartos junto com Petra, deste amor sem correspondência de Karen e também de sua falta de correspondência com Marlene. Cada uma em sua posição social (de poder) dando e recebendo o que podem, o que são capazes de oferecer naquele momento.
Saí com a sensação de que há muito o que entender e refletir sobre essas relações, especialmente envolvendo mulheres. Que no jogo social com os homens são na maioria das vezes, se não sempre, tão subestimadas e rebaixadas. Como se desenrola situações em que o poder está nas mãos de uma das mulheres envolvidas e outras estão em uma situação de inferioridade, dependência ou submissão. Nestes um pouco mais de 1 hora de peça, fomos convidados a simplesmente sentir.