Cristiane Lemos - escritos
"Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível..." Clarice Lispector
Textos
Ônibus
Eu me sentia tão seguro no colo de minha mãe, enquanto o ônibus passava chacoalhando pelas ruas emburacadas. Era uma sensação tão boa que fica difícil de descrever. Sei apenas que senti o tempo parar e tantas vezes cochilei, alheio da força que ela tinha que fazer para me segurar com um de seus braços, enquanto o outro invariavelmente segurava uma sacola, repleta de todo tipo de item, que não estava ali em vão. Em algum momento do dia seria utilizado.
Nossa jornada começava um pouco antes do sol raiar. O ônibus de João parava 5:37h no ponto. Sim, minha mãe sabia seu nome, assim como o do cobrador, na época que os coletivos da cidade possuíam um e o condutor não precisava realizar todo trabalho sozinho, além também, do nome de outros passageiros, que dia após dia pegavam o mesmo ônibus, rumo aos seus destinos. E quando um não aparecia, todos ficavam apreensivos. Será que perdeu a hora, será que perdeu o emprego, será que tá doente, será que morreu? E quando alguém fazia aniversário, todos também comemoravam. Era uma festa mesmo, com direito a bolo, refrigerante, salgados e todos se serviam, tentando o equilíbrio perfeito para não cair no corredor do transporte acelerado. O povo pedia para o João colocar o pé no freio, mas ele dizia que andava mais devagar que podia e que a culpa dos solavancos repentinos era de outros motoristas, que atrapalhavam o trabalho dele.
E assim, ficou em minha memória, esse mundo em movimento, onde nunca sofri nenhum acidente, porque o abraço de minha mãe me acalentava de tal forma que isso seria impossível, mesmo em caso de batida, tenho certeza que ela me protegeria, mais que a si mesma.
Já no tardar da noite, pegávamos o último ônibus, desta vez tendo como condutor o Ronaldo. Tudo era mais silencioso e o ônibus estava praticamente vazio, com passageiros esparsados entre os bancos e não sabíamos o nome de quase ninguém. Exceto Georgina, a cobradora. E Joana, que religiosamente pegava o mesmo ônibus que a gente, sem nunca ter dito de onde vinha, o que minha mãe acatou, pois não gostava de invadir o espaço de ninguém.
Apesar do cansaço do longo dia, ninguém dormia, ou, pelo menos, tentavam, não se entregarem de vez aquela estranha sensação que apagava os sentidos. O escurecer precipitava perigos, e era preciso estar alerta. Como sempre, minha mãe deixava que eu repousasse minha cabeça em seu ombro, e de lá, eu observava a estranha dança que a cabeça dela fazia, pendendo de um lado para outro, lutando bravamente para os olhos não fecharem. Em alguns breves minutos ela cedia, e eu estendia um dos meus braços e com uma de minhas ainda pequenas mãos, segurava o quanto podia sua cabeça, exausta, dos músculos do pescoço que enfim relaxavam, após um longo dia de contração. E intuitivamente eu percebia, que por trás daquela super mãe, minha heroína, havia também uma menina, a viajar pela cidade, só contando os segundos que poderia enfim, descansar em paz.
Tiane Maga
Enviado por Tiane Maga em 28/02/2025
Alterado em 10/03/2025
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